Tlim, tlim, tlim...~
Inúmeras gotículas de chuva tilintavam na janela do quarto. Com o queixo apoiado sobre a mão, estava sentada em minha escrivaninha enquanto olhava o tempo lá fora. Costumava passar uns dias do verão no sítio de meus avós. Era um lugar grande, cheio de árvores e plantas floridas, contornado por um espelho d’água agitado e uma atmosfera tão calma que só escutava-se o sibilar dos passarinhos. Naquele dia, porém, a chuva resolveu dar o ar de sua graça, castigando-nos com suas águas.
“Humpf...”
Não deixava de resmungar, estava tão ansiosa para aproveitar tudo o que o sítio tinha a me oferecer que não dava para me conformar que passaria o dia trancafiada em casa. A pior parte é ver as horas se arrastando, como se a preguiça tivesse tomado conta dos ponteiros.
“Vou comer alguma coisa para me distrair.”
Tão logo pensei, já estava à caminho da cozinha. Vasculhando a dispensa, encontrei um pacote de biscoitos. Enquanto comia, deparei-me com uma trilha de formigas que caminhavam pelo azulejo em direção ao quintal, roubando parte de minha atenção.
- O que foi, minha filha?
- Ahn? Ah, olá, vovô. Não é nada, apenas estou olhando para essas formigas.
- E por que tão pequenas criaturas despertam-lhe interesse?
- Não sei, vovô. É apenas intrigante ver que, faça sol ou faça chuva, elas não param. Não descansam um só minuto?
- Haha! E por que fariam isso?
- Ué, não se deve apenas trabalhar. A vida delas já é curta, e mesmo assim não se divertem. Como se aproveita uma vida assim?
- Exatamente: pelo tempo delas ser tão curto, não podem parar. Se param, ficam sem alimento e o formigueiro morre. Ser parte do sistema já é um privilégio, e não apenas o lazer em si. A maior gratidão que podem ter é fazer parte do mundo.
- Elas não se aborrecem por viverem tão pouco?
- Nenhum animal pensa ou se lamenta à respeito da morte. Eles sabem que ela existe, mas não quando virá. Portanto, fazem seu papel no mundo enquanto vivem, dão o seu melhor sem ficar pensando se amanhã estarão vivos. Por isso, nunca deixam de fazer o que deve ser feito. Em relação ao tempo de vida, é muito relativo. A de uma formiga é insignificante para nós, assim como as nossas é um piscar de olhos para uma estrela. Esse um minuto que elas poderiam parar, equivale a uma parcela enorme de suas vidas.
O que meu avô dizia fazia sentido. Talvez nós seres humanos desperdiçamos tempo demais no ócio e esquecemos que fazemos parte do mundo. Damos atenção demais a resmungos e situações desagradáveis, perdendo preciosos minutos na qual poderíamos estar sorrindo, satisfeitos. Ficamos tão focados à complexidades que acabamos cegos à simplicidade da vida e ao óbvio.
Naquele momento, a chuva deixou de ser incômoda, suas águas lavaram minha mente, levando embora aquela negatividade que me consumia. Tudo poderia ser agradável, ou ao menos daria para tirar algo positivo dela, dependerá de nossa mentalidade. Por alguns segundos, fiquei com vergonha de mim mesma: as formigas estavam se saindo bem melhor do que eu.
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